14/03/07

| medicamentos prejudicam vida sexual feminina

Como consequência imediata dos recentes acontecimentos na Sexologia, nomeadamente, a introdução de químicos na disfunção sexual masculina, surgiram efeitos secundários extremamente importantes para a sexualidade feminina. Perceba quais e porquê?

Todas as tentativas de resolução dos problemas do foro sexual de um dos membros do casal acabam por ter efeitos no outro elemento desse mesmo casal. Nesse sentido, a evolução farmacológica que permitiu a introdução de medicamentos para o tratamento da disfunção sexual masculina, especialmente na disfunção eréctil, trouxe um conjunto de outros problemas relacionados com a sexualidade feminina. «Assistimos imediatamente a uma hipertrofia da prevalência das disfunções sexuais, que quase parece uma epidemia de dimensões avassaladoras nas mulheres. Além disso, a minimização dos factores de ordem social e cultural no enquadramento da sexualidade também dificultam o bem-estar sexual», refere a Prof.ª Catarina Soares, médica psiquiatra e sexóloga do Hospital de Júlio de Matos. Todas as questões que se referem ao tratamento da disfunção eréctil parecem ter uma implicação evidente na sexualidade da mulher. Por exemplo, «a utilização de vasodila­tadores locais aplicados nos casos de impotência potenciam os desequilíbrios de âmbito inter-relacional: é que é previsível que o pénis esteja sempre pronto para o acto sexual. Induzido por essa medicação, poderá ser pouco compatível com o dilema de uma mulher inserida numa relação previamente disfuncional e que poderá já incluir alterações vaginais como a vagina atrófica», relaciona a especialista. Por isso, em todas as idades, é importante o enquadramento da parceira no tratamento das disfunções sexuais masculinas, independentemente da opção de tratamento ser química, cirúrgica ou farmacológica. «Mais importante ainda nos parece a inclusão da mulher nessa perspectiva terapêutica, uma vez que ela se encontra, muitas vezes, numa fase da vida em que pode apresentar dificuldades que, se forem negligenciadas no contexto tera­pêutico, poderão causar-lhe sofrimento e, consequentemente, implicar a não resolução do problema do homem no contexto daquela relação», admite Catarina Soares. O «efeito secundário» mais espectacular a que assistimos nos últimos tempos, motivado pela introdução de vasodilatadores nas disfunções masculinas, é que, subitamente, a sexualidade feminina adquiriu um enorme fascínio científico que até então não existia.

ansiedade: impulsiona ou perturba?

As relações entre a ansiedade e a sexualidade não são e nunca foram simples. «Sabemos que a ansiedade produz efeitos de tal modo importantes na resposta sexual que pode determinar a rapidez da ejaculação, assim como processos cognitivos que, de outro modo, poderiam ser facilitadores da resposta sexual aos estímulos eróticos. Por isso, a ansiedade e a inibição coexistem, sendo ambas reactivas à percepção de uma ameaça», explica a médica. As respostas sexuais poderão ser inibidas exactamente como uma forma de evitar a ansiedade. Por outro lado, a ansiedade ocorre como uma resposta a uma relação sexual falhada, podendo facilitar ou prejudicar a resposta sexual.
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«Na nossa prática clínica, e no que diz respeito à unissexualidade, verificamos uma disparidade acentuada: os homens referem essencialmente deficiências na sua resposta mecânica, isto é, as suas queixas são objectivas, nomeadamente, no que se refere à ejaculação ou à erecção; as mulheres, pelo contrário, focam essencialmente queixas subjec­tivas, ou seja, dificuldades relacionadas com o seu desejo, com o seu interesse, com a necessidade de incentivo sexual e relacional», refere Catarina Soares. Efectivamente, tanto na sexualidade feminina como na masculina, existe um padrão vivencial que permanece ao longo da vida. Há um maior grau de variabilidade individual entre as mulheres do que entre os homens. O sexo masculino apresenta uma resposta sexual mais uniformizada e padronizada e é relativamente simples interligar as hormonas e a resposta sexual. No sexo feminino, as coisas são mais complexas e, nesse caso, há uma menor associação entre o orgasmo feminino e o sexo reprodutor e, aparentemente, haverá uma maior susceptibilidade feminina em relação à repressão social da sexualidade. «Há um autor especialista nestas matérias que defende que haverá, nos próximos anos, uma maior propensão para a inibição da resposta sexual. As mulheres em todas as faixas etárias, com ou sem parceiro, têm menos desejo sexual que os homens. No que diz respeito às práticas masturbatórias, 3% das mulheres dizem masturbar-se, enquanto 26% dos homens referem essa prática e isto mostra dife­renças significativas», observa a sexóloga. Este estudo conclui, ainda, que há uma correlação muito maior entre as disfunções sexuais femininas e a ausência de amor pelo parceiro. Uma mulher que não sente amor pelo parceiro dificilmente conseguirá a mesma satisfação sexual que outra mais apaixonada. «O factor amor parece ser muito menos importante para os homens. No entanto, há uma maior correlação entre os pro­blemas sexuais femininos e a instabilidade na relação, a emotividade global e o desfavorecimento económico. Globalmente, as mulheres em todas as faixas etárias referem a sexualidade como menos importante para o seu bem-estar global e a sua qualidade de vida. Estas diferenças acentuam-se após os 60 anos», defende a nossa entrevistada. Assim sendo, as mulheres que, contrariamente ao grupo que apontámos anteriormente, consideram a sua satisfação sexual um factor importante para o seu bem-estar, admitem que haverá um determinante físico na manutenção da sexualidade feminina que é o efeito desencadeador da atracção que o parceiro exerce sobre elas ou o próprio desejo que sentem por ele. Conclui-se, pois, que na ausência destes desencadeadores, o desejo sexual feminino diminui. Deste modo, percebemos que «uma maior variabilidade dos factores psicossexuais levarão à inibição ou res­trição da resposta sexual feminina. Clinicamente, as mulheres focam mais os aspectos subjectivos enquanto os homens fazem-no relativamente a questões mais objectivas. Na mulher há uma discrepância acentuada entre a avaliação subjectiva da sua excitação e a correspondente resposta vaginal», analisa a especialista.

novidades científicas

Foi precisamente no âmbito da aplicação de vasodilatadores nas disfunções sexuais masculinas que os cientistas começaram a estudar as mesmas hipóteses de aplicação medicamentosa para tratar as disfunções sexuais da mulher. A terapia sexual terá de debruçar-se sobre a interface da sexualidade, ou seja, o contexto que relaciona os factores psicológicos associados à vivência pessoal. «O desenvolvimento de estudos nestas áreas só será positivo se contribuir para o avanço do conhecimento e se a ânsia mercantil não se sobrepuser às necessidades de melhor conhecer os factores sociais, psicológicos da resposta sexual feminina. É importante que se estude também a relação entre a Sexologia e a cultura na influência que têm na sexualidade humana», advoga a médica. Apesar dos avanços, continuamos a ter uma visão muito incompleta da condição da sexualidade humana, porque o sexo foi sempre um ecrã privilegiado em que se projectavam ideologias, conceitos, medos, sonhos e paranóias.

sabia que...

O clítoris é o único órgão que não consta nos desenhos do corpo humano efectuados nos manuais escolares. Porque será?

by Nilza Mouzinho de Sena in Medicina & Saúde 13 Janeiro 2007

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